10 de maio de 2016

Inútil Essencial - A explosão de rock d´o Vazio


No dia 30 de abril de 2016, foi publicada uma entrevista a respeito de nosso último álbum, Inútil Essencial. A entrevista era grande demais para entrar inteira na publicação, portanto o que foi publicado foi só o essencial da mesma. Aqui, publicamos a entrevista completa, na íntegra.

Inútil Essencial - A explosão de rock d´o Vazio

A banda friburguense O Vazio lançou no último mês o álbum Inútil Essencial. Um disco de rock inspirado no som dos anos 1970, com muita raiz de blues e letras muito filosóficas, falando sobre os principais conflitos que rodeiam o interior das pessoas e sobre sua devoção à música. Em entrevista, o vocalista João Vazio contou à Discopédia como foi o processo de concepção desse álbum, que está disponível para audição online em diversos canais, que você pode acessar através da página do Facebook da banda. Confira agora um pouco desse papo, onde o músico também falou sobre o rock friburguense.

[DISCOPÉDIA] O Inútil Essencial está bem sombrio, bluesy e bem firme em influências setentistas. Gostaria de saber como vocês pensam nas melodias das composições.

[O VAZIO] As palavras, os riffs, as batidas... tudo existe em simbiose, na música. Música é discurso. Arte é discurso. Quando você sente o desejo de dizer algo – e acredita no que sente – a sensibilidade molda o discurso para que ele seja um retrato desse desejo. Aí, você lança mão de todo o instrumental de que dispõe, adquirido ouvindo e fazendo discursos, conforme o desejo lhe determina. O discurso deste álbum é sombrio porque vivemos tempos sombrios e isso deve ser posto em questão. O blues é o início de tudo. É a raiz. É a fonte. É a voz de pessoas que também viviam tempos sombrios. É visceral e cru. A influência setentista é o traje ideal para este discurso.

[DISCOPÉDIA] E os timbres? Como escolhem?

[O VAZIO] Os timbres são a intersecção entre a pesquisa e o improviso. A sensibilidade de poder absorver o acaso e a determinação de trazer à realidade algo que foi gestado em sonhos e desejos. Pesquisamos técnicas de gravação, tipos de equipamentos e de plug-ins, posicionamento de microfones, tipos e tamanhos de sala... Buscamos referências nas obras que nos influenciam, tentando entender o processo técnico, estético e histórico que as gerou. Experimentamos idéias inusitadas, aproveitamos erros, testamos métodos... Tivemos imprevistos... Tudo contribui. Mas acho que o principal foi o fato de termos mantido o conceito base do álbum sempre em mente: Buscar o inútil essencial em cada pequeno detalhe. Como diversas outras coisas pequeninas e fantásticas que existem neste vasto universo o qual nem conseguimos compreender, a arte é completamente inútil. Mas absolutamente essencial. Como a própria vida.

[DISCOPÉDIA] As letras de vocês têm toda uma viagem filosófica, com algumas metáforas e devoção ao rock n roll. Para quem essas letras falam?

[O VAZIO] Já me desculpo antecipadamente pela presunção, mas vou citar Nietzsche: Para todos. E para ninguém. Acho que estas palavras são para todos porque todos os que quiserem vão poder ver nelas o espelho das suas próprias questões. Falo de questões da vida e, por mais que a vida se manifeste de maneiras diferentes em cada um, todos lidamos com as mesmas questões; a solidão, a curiosidade, o medo, a paixão, a morte, a tragicidade do viver. Falo da vida. Então, falo para qualquer um que esteja vivo. E falo para ninguém, porque as palavras deixam de ser minhas assim que ganham o mundo e o espelho de minhas próprias questões não vai com elas – mesmo que a carga emocional deste possa ir. A vida nos dá a possibilidade fantástica de atribuir a ela o sentido que quisermos e este sentido por nós atribuído é o que há de mais legítimo para nos motivar e guiar durante esta jornada. É o catalizador da nossa presença no mundo. A arte é o meu sentido. O catalizador da minha presença. O rock é um caminho. Um raciocínio, uma visão de mundo. Há muitos outros. Este é o caminho que eu escolhi. Certamente, não falo para ouvintes. Falo para interlocutores.

[DISCOPÉDIA] O disco saiu no comecinho de março. Um mês depois do lançamento ele deu resultados esperados?

[O VAZIO] Sim e não. Sim porque, até mesmo pelo conceito chave que dá nome ao álbum, este lançamento está se desdobrando de forma bem interessante. Temos até cerveja artesanal com o nome e a identidade visual do álbum. O álbum pode ser baixado (com diversos conteúdos extras) gratuitamente, via um site exclusivo do álbum (www.inutilessencial.tk) e também através de código QR próprio. Pode ser ouvido gratuitamente no soundcloud (www.soundcloud.com/ovazio) e no youtube (www.youtube.com/videosdovazio). Os links estão todos na nossa página do facebook (www.facebook.com/ovazio). A repercussão ainda não é tão grande, mas é muito positiva. Por outro lado, ainda não atingimos o ponto esperado – porque o verdadeiro trabalho acerca deste álbum ainda está só começando. Lançamos primeiro na rádio, depois na internet. Em 06 de maio de 2016, vamos lançar nos palcos. E tem mais coisa vindo por aí. Estamos com um monte de idéias inúteis e essenciais na cabeça.

[DISCOPÉDIA] Teve alguma ideia inicial que vocês tiveram para o álbum e no final acabou não funcionando?

[O VAZIO] De novo, sim e não. Tivemos várias coisas que não aconteceram como esperávamos. A começar pelo fato de que estávamos sem guitarrista durante quase toda a gravação do álbum. Porém, como eu disse antes, até mesmo os erros e imprevistos foram aproveitados. Temos convenções e detalhes nas músicas que vieram de “erros”. Tudo foi aproveitado. Fagocitamos tudo e vocês podem ouvir o resultado. Por exemplo: temos guitarras gravadas por amigos, eu (cantor) gravei guitarras, o Lucas Santos (baterista) gravou guitarras e o Bruno Eller (baixista) gravou guitarras. Por fim isso foi parte do que deu a característica sonora do álbum. Hoje, o Lucas é o guitarrista e o Alexandre Sorin entrou na batera.

[DISCOPÉDIA] Em 2014 vocês lançaram o single com as músicas “Mais Atrante Que Uma Solução” e “Vendi Minha Alma Ao Rock N’ Roll” no rádio. Recentemente uma pesquisa revelou que vinis estão vendendo mais que música online e o Brasil vai voltar a fabricar K7. Vocês acham que vai rolar um movimento inverso nos próximos anos? Pretendem investir nesses formatos?

[O VAZIO] O rádio é um veículo poderoso. Ainda é o lugar onde a maioria das pessoas ouve uma música pela primeira vez, é gratuito, atinge áreas muito vastas... Não se deve esquecer dele. Sobre as pesquisas, tenho sempre algumas ressalvas com estatísticas. O vinil vende mais do que a música digital porque raramente pode ser obtido de graça. O que não acontece com o formato virtual, que é baixado gratuitamente aos montes. Sobre o vinil, creio que seja muito mais um ato simbólico do que realmente um produto, hoje em dia. Gosto deles, mas ainda são um pouco inacessíveis financeiramente. E não são mais produzidos em grande escala. Sobre o K7, só tenho elogios. A fita K7 possibilitou que o punk tivesse uma rede independente de produção e troca de conteúdos fantástica antes da era da internet. O formato digital muitas vezes mutila a dinâmica da música, com uma série de harmônicos que não precisavam estar lá, com compressores demais... A música não respira. Fizemos a masterização do álbum no padrão dos discos de vinil e quase não usamos compressores. Gravamos a bateria toda em mono. Passamos o som para fita e depois digitalizamos de novo. Deixamos um monte de sujeira de propósito. Estes formatos (vinil e K7) se ajustam muito bem à estética adotada para o álbum e creio que os usaremos conforme a nossa possibilidade e objetivos – como toda ferramenta de que dispomos. Mas não podemos deixar de levar em conta as novas ferramentas das quais também podemos lançar mão. Como eu disse, temos um monte de idéias inúteis e essenciais na cabeça. Aguardem.

[DISCOPÉDIA] Pra vocês o rock de Nova Friburgo tem uma característica que é muito própria? Qual é a identidade do rock autoral friburguense?

[O VAZIO] Talvez seja a variedade de sonoridades, a heterogeneidade do público e o engajamento dos artistas. O histórico do cenário. Acho que o rock daqui se caracteriza justamente pela cena que aqui se desenvolve já há algumas décadas e pelos atores que fazem parte de sua trama – que têm diversos problemas, mas que também têm identidade.

[DISCOPÉDIA] Se vocês encontrassem um gênio que dissesse: “Posso realizar um desejo qualquer de vocês para mudar a cena de Nova Friburgo”, o que mudariam?

[O VAZIO] Acho que eu pediria para mudar a cidade. Ou o país. Ou o mundo. Entende? Não o espaço físico. Nem propriamente as pessoas. Apenas o pensamento, a cultura que rege estas pessoas e gera esta cidade, este país, este mundo neste espaço físico. A cena se modificaria como consequência da modificação empreendida pelas pessoas em si mesmas. Aí reside a raiz do problema de onde se originam todos os problemas. Pediria que as pessoas tivessem horizontes mais amplos, vontades mais fortes e interesses menos mesquinhos. Todas as pessoas – nós. Curioso é que não precisamos de gênio para isso, na verdade basta uma mudança individual e coletiva de postura e de atitude. A mudança individual a precede, estabelecendo as direções, mas a mudança coletiva é o objetivo. Ambas devem ser pensadas como uma coisa só. A gente faz o que pode, do jeito que consegue – buscando o que a gente quer. No fim das contas, todo mundo quer a mesma coisa: seguir o seu caminho, seja ele qual for, e ser feliz o máximo possível de vezes durante o trajeto. Não precisa de manual, treinamento ou experiência. Não precisa de dom ou mágica. Nem custa dinheiro, mas demanda sensibilidade, solidariedade, dedicação, determinação, reflexão e paciência – talvez por isso esteja bem mais fácil acreditar em gênios do que numa mudança de visão tão radical a ser realizada por tanta gente ao mesmo tempo. Pelo menos hoje. Mas vai saber... O passado ecoa. O presente fala do passado e do futuro. E o futuro fala por si mesmo.


(Entrevista publicada no Jornal A VOZ DA SERRA, em 30/04/2016).